
Padre Quinzinho
Homenagens
Documentário
Projeto comunitário de cinema amador em Brazópolis MG 2019 / 2020. Homenagem ao Monsenhor Joaquim de Oliveira Noronha pelos 100 anos de Ordenação Sacerdotal, (2020) e cinquentenário de sua morte (2021).
Autor: Anderson Sales
Pintura

Autor: Anderson Sales
Textos
MAIS UM ANIVERSÁRIO... NO CÉU
Autor: Cônego Luiz Gonzaga Riberio
Artigo publicado no Jornal "Brasópolis", em julho de 1977
Aquele padre, franzino de corpo, mas gigante de alma, chegou àquele cidade que ele chamava “sua terra” – Brasópolis. Cidade modesta, tradicional, plantada à cavaleiro de uma colina, derramava o seu casario pelas ruas estreitas e pelas travessas ameaçadoramente empinadas, abrigando gente mineira na raça, no modo e nos nomes.
Ali, naquele convívio fraternal e cristão, o sacerdote recém-chegado, encontrou sua família espiritual, a quem dedicou tempo, saúde e amor. Fazia-se presente em tudo e a todos. Numa inauguração, num culto fúnebre. Numa formatura de escola, numa reunião de comunidade. Numa hora e, às vezes, as desoras de enfermidade ou contratempo. Nos momentos festivos da cidade.
Nunca se omitiu nas suas funções sacerdotais. Era sempre a presença visível e notada do amigo, do cavalheiro, do líder da comunidade, do pastor de almas. Com fé, otimismo e fraternidade.
Padre Quinzinho pra cá... Padre Quinzinho pra lá... hei-lo invariavelmente presente, com simplicidade mas sincero. Falando pouco, ouvindo muito, mas sempre edificando, esclarecendo, aconselhando.
O relógio do tempo, inexorável, assinalou-lhe 45 longos anos pastoreando zelosamente o rebanho de Deus em sua mimosa paróquia. Quarenta e cinco anos de trabalhos, de sacrifícios, de fraternidade amiga, fiel e largamente generosa.
Ninguém melhor do que ele realizou, à risca sem vacilação nem demora o programa do Divino Mestre – “Eu Sou o Bom Pastor. Conheço minhas ovelhas e elas me conhecem. O Bom Pastor dá vida à suas ovelhas”. Deu-a no dia 16 de julho de 1971.
Estas palavras poderíamos escrevê-las em sua sepultura. Ser-lhe-iam o melhor elogio. O mais belo epitáfio para glorificar o servo de Deus.
A poeira destruidora do tempo nada apagou de sua vida, de seu exemplo, de suas virtudes.
Passado alguns anos – emoldurados da saudade de seus amigos e da gratidão de seu povo, do seu bom povo – sua figura emerge, na história de Brasópolis, projetando sua bondade e zelo pastoral na tela da sociedade e no íntimo dos corações.
Bem o diz a palavra do Senhor, na Bíblia:” A lembrança do justo viverá eternamente”.
Monsenhor Quinzinho Noronha, debruçado sobre a pedra fria de seu túmulo glorioso com os que mais o sejam – que é a apoteose de um santo e de um justo sabemo-lo constantemente adornado de velas e flores – velas de amizade e flores de gratidão – nós lhe pedimos confiantemente: Rogai por nós!

UMA PESSOA INESQUECÍVEL
Artigo publicado no jornal “Can-Can” em 14.07.1974
Autor Desconhecido
Às seis horas da manhã, tudo envolto em brumas, rangem sonolentas as portas da Matriz e a voz sonora do bronze enche os ares; uma figura magra, vestida de crepe, assoma à porta central. E, às brumas matinais se misturam as brumas de seus cabelos.
Humildemente se afeiçoara, desde a muito, a esse serviço: primeiro abrir a igreja, depois tanger os sinos, esperando os fiéis para oficializar o ato litúrgico. Que de beleza e misticismo não havia naquelas arcadas de simetria gótica, trescalando a incenso, os vitrais coloridos filtrando o sol das manhãs plenas de luz, os brancos cor de ébano, os confessionários, o gesso piedoso dos mártires da Igreja nos respectivos nichos, o carrara dos altares. Sim, o que não representaria tudo isso ao velho Pastor que fizera dali o seu mundo?
Quantas prédicas não fizera, e que não eram senão retratos do seu íntimo desapegado dos bens terrenos, e voltado à misteriosa beleza da Eternidade!
Quantas vezes encilhara a cavalgadura para ir ter a um moribundo distante ou rezar missa numa capelinha longe, bem longe, encravada nessas serras das gerais!
Quantas vezes saíra à frente doa préstitos empunhando no hábito o estandarte de Cristo, e a sua figura franzina se erguia gigantesca.
Quantos por ele não se batizaram, não se casaram, não receberam a unção final, com a mesma voz de sempre, paternal e inalterável.
À gravidade do sacerdote estava o lado anedótico, posto que na vida nem tudo é seriedade, como nem tudo risos.
Convidado a lecionar francês, no primeiro dia de aula uma pergunta capciosa de um aluno parecia desmoronar certa regra enunciada. Respondeu o professor sem titubear: ‘É, você tem razão, mas não sabe que toda regra comporta uma exceção?”
Doutra feita, esqueceu-se de dar a benção final e saiu. Saindo lembrou-se e voltou para encerrar a missa, quando quase todos já haviam saído.
Um pobre bateu-lhe à porta e pediu um par de sapatos. Como fizera anos àqueles dias, tomou do presente que recebera, justamente um par de sapatos, e deu-o ao miserável.
Suas últimas palavras em Brazópolis, quando se preparava para ir à Pouso Alegre, a fim de buscar recursos médicos, pareciam-lhe vaticinar a morte: “Esta é a última viagem que faço”. E, de fato, foi.
A morte colheu-o numa manhã fria de julho, dia 16, com 74 anos de idade e 51 de sacerdócio.
Não desejou nada além de uma morte simples, sem epitáfio.
A alma generosa do povo deu-lhe um túmulo de mármore negro, onde perenemente ardem velas votivas e se pedem graças por intermédio de sua alma que continua esparzindo suas graças e consolando os infelizes.